quinta-feira, 24 de março de 2011

O meu rio

O vento sopra ainda quente, mesmo com o céu formando gordas nuvens geladas. A cintura do rio, sinuosa que só ela, prende o meu olhar... Supostamente percebo um flerte das águas que me entregam baronesas exuberantes. O meu olho fixa as margens do rio que caem melosas ao entardecer de princípios de outono, fazendo-me a corte, acompanhando-me num passeio até desembocadura, onde você se espalha em buquê, derramando-se sobre o mar oceano. Meu ciúme ingrato me faz verter lágrimas que se encontram absorvidas pelas tênues águas de seu corpo morno.

À tarde, esse emaranhado de nuvens cinza e pinceladas de sol, me faz perceber que a calmaria das águas chegaria mais uma vez ao fim. As escuras águas e preguiçosas darão lugar a uma caudalosa veia transformada em artéria que irromperá a cidade. Robusta, máscula e arrebatará os cílios da cidade cuspindo-os sem flores e sem buquês outra vez no mar.

Desapaixono de vez em ver a simples beleza das águas do meu entardecer transformando-se em força brutal, sem poesia e com mácula, tragando seres de infortúnios, desenhando episódios furtivos e exagerados. No outro dia o cinismo escancarado estampa a tua cara meu rio, deixando o canto da tua boca ainda melado do suco de tábuas reviradas, prova do roçar e esfregar do teu corpo nas eiras e nas beiras do canto da cidade. O sol, teu amigo nesta hora, ajuda a secar tua boca, a reparar tua maquiagem para que eu possa novamente me apaixonar e poder tocar teu corpo mole e morno, pronta pra ti.

Como o grego que não tardava em crescer o órgão, comida de abutres, me encantava por ti e mais tarde desapaixonava num vicioso retorno aos teus braços extensos e separações dolorosas. Meu receio agora é que o outono não mude a estação de teus ânimos, te fazendo inverno insensível, me fazendo sofrer nos teus profundos braços a angústias dos meus.

A tarde inteira parou para ouvir meu monólogo. Senti que havia chorado, não descobri em que passagem, mas chorei. Aproveitei para sofrer antecipadamente as dores de junho. No julho dos teus calendários arremessei meu pensar e te descobri inquieto esperando o agosto chegar. Mas uma vez meu pensamento caminhou ao encontro primaveril do setembro, onde te procuro mais belo, faceiro, conduzindo o meu olho pelo teu corpo inteiro, sem te enxergar os defeitos, efeitos de teus atos nunca calculados.

Ao despertar dos meus pensamentos, encontrava-me tocando singelo o teu corpo, sentada numa beira de ti, meu rio, sentindo o teu cheiro de maré, perfume primeiro da cidade de mangues, que são tuas roseiras; de ostras incrustadas, que são os teus colares, teus adornos que te cobrem o leito, que te fazem mais meu.

Maria é que era mulher de verdade

Imaginem vocês. A Maria deu certo na vida. Aqui no Nordeste dar certo na vida é arrumar bom trabalho, casar bem, e por aí vai.

Lembro-me muito bem da Maria. No clube, eita mulher pra mexer gostoso. Sua dança excitava os donzelos. Isso fazia um estrago danado. Vocês podem até imaginar. Aconteceu comigo. Também sou mortal, e, diga-se de passagem, a Maria era muito boa. E é.

Maria não enjeitava um passo.

– Vamos dançar? Bora!

Esse era o expediente da Maria pra dizer que não enjeitava um bom chamego.

E saía a bailar pela pista de dança, coladinha no congote do feliz dançarino. Uma verdadeira imperatriz dos salões de minhas terras.

Uma vez criei coragem e me aventurei em chamar a Maria pra dançar. Foi numa sexta-feira, de feirinha, típica por sinal. Aproximei-me com o coração na mão, pernas trêmulas. Lá estava a Maria, calça colada, blusinha curta, perfume chocolate. Um luxo. Pronta pra mim. Pelo menos assim eu pensava. Naquele momento tive a impressão de possuí-la. A idéia de propriedade é danada mesmo. Só complicou ainda mais a minha vida. Peguei apreço pela moça. Isso não caiu nada bem depois.

Tentei puxar um papo.

– Tá gostando?

– Com certeza! Uma delícia! – exclamou.

– Como se chama?

– Maria!

De repente senti um acocho arretado daqueles belos braços. Um fungado gostoso tomou conta de meu magro pescoço. Fiquei atônito, buscando o ar que me falta em quantidade suficiente para esperar o que viria logo após dessa exploração corporal! De longe pressenti que nos observavam.

Pensei.

– Um dia ainda me meto em confusão por conta dessa mulher!

Reparei que havia muitos homens a nos observar, enquanto a Maria rodopiava em meus braços. Confesso que senti medo.

Não conseguia nem pensar direito. Aquela mulher não era fácil. Aquilo é que era mulher danada, verdadeira. Facilitava a vida de cada um que enveredasse em suas teias de mulher fogosa. Comigo não foi diferente Mas isso era a Maria. E é.

Um dia apresentei a Maria para meu irmão. E disse:

– Velho, se cuida, senão você vai pros ares com a Maria na frente de todo mundo! Essa preta deixa um de perna bamba.

Como era excitante ver a Maria dançando. Dançar com a Maria era melhor ainda. E é.

A mulher era uma verdadeira dama do requebrado. O rapaz quis marcar esquema com ela, e eu fiquei na mão. Desde esse dia perdi a Maria pro meu irmão, que mais na frente a perdeu pra outros amantes potenciais.

Dia desse encontro a Maria e tomo satisfação:

– Como podes fazer uma coisa dessas comigo Maria? Não tive chance no teu coração!

Tentei vencer a concorrência. Perdi a parada.

Maria se casou, e agora é mulher de bem, tenham respeito.